Atendendo a pedidos, eis que vos escrevo contando sobre a minha temporada na Europa.
Algumas fotos já estão disponíveis.
Em dezembro de 2004, deixei o Brasil para fazer um experiência de intercâmbio bastante diferente: passar seis meses convivendo com pessoas de diversas nacionalidades, culturas e línguas, mas com um valor em comum: o amor ao próximo.
Começo por vos descrever, como posso, o local. Na região da Toscana, na Itália, encontra-se Loppiano, a primeira e mais desenvolvida das cidadelas do movimento dos Focolares. Cidadela porque é constituída de habitações, lugares de encontros e de esporte, uma igreja, um restaurante, um mercado, empresas e uma lei: a Regra de Ouro.
O movimento dos Focolares é um movimento católico nascido em Trento, na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Sua maneira de compreender e viver o cristianismo deu origem à espiritualidade da Unidade, que tem nos relacionamentos de amor recíproco o principal fundamento. Hoje o movimento está difundido em mais de 180 países e dele participam ativamente não apenas católicos, mas muitos cristãos de diversas igrejas e alguns não-cristãos. Possui um estreito relacionamento com fiéis de outras religiões e também com pessoas sem fé, que participam de algumas de suas atividades para promoção da fraternidade universal. O ecumenismo (a busca pela unidade das igrejas cristãs) e o diálogo interreligioso são conseqüências de uma sincera abertura ao próximo e meios sem os quais não se pode idealizar um mundo unido.
Retornando da digressão... Loppiano surgiu há quarenta anos com dois principais propósitos: mostrar ao mundo um esboço do que seria um povo que vive fraternalmente, de acordo com essa espiritualidade, e formar pessoas que possam vivê-la com firmeza suficiente para difundir a idéia através do exemplo.
Eu fui lá para um período de formação como um jovem leigo do movimento. A escola para jovens consistia em lições de formação humana e espiritual, encontros semanais em grupos de diálogo, trabalho para subsistência, apresentações para visitantes, esporte, lazer, festas. A principal parte da escola é sem dúvida a convivência. A diversidade cultural é, ao mesmo tempo, uma dificuldade e uma ajuda. Dificuldade porque certas diferenças no modo de pensar levam a sérios problemas de entendimento. Ajuda porque, estando-se ciente disso, não julgar e perdoar o outro se tornam uma tarefa muito mais fácil. Esse aprendizado é fundamental para quem quer amar concretamente, no sentido estrito da palavra. Não que o não julgar ou o perdoar signifiquem calar-se diante daquilo que o outro faz de errado ou relativizar ao ponto do "tudo é permitido", existe um espaço mais do que adequado para ajudar-se mutuamente a superar os limites, o que é por si só, um grande ato de amor.
Conheci pessoas e culturas maravilhosas. Não fico mais indiferente diante do que ocorre lá fora. O terremoto na Indonésia destruiu a casa de Nestor, que ficou sem receber notícias da família por uns dois dias, mas felizmente nenhum dos seus se feriu. O que ocorre na Inglaterra, nas Filipinas, no Egito, na Itália, na Tânzania ou na Nova Zelândia agora diz respeito a meus amigos, é muito mais próximo.
Apaixonei-me por uma holandesa, mas ao que tudo indicava não era recíproco. Era interessante porque claramente nos amávamos, mas da parte dela isso não incluía um sentimento romântico. Era o bom e velho amor platônico atacando mais uma mente tola em pleno século XXI. Fortuitamente e como era de se esperar, logo que voltei ao Brasil passou.
Aprendi um pouco da escrita e da pronúncia do Árabe. Aprendi qual é a língua e o significado de "hakuna matata", além de outras expressões do Suahili (Mambo vipi?). Aprendi um pouco da estrutura e um pouco de vocabulário do Tagalog (Nandito tayo para rin magtrabaho. Ako ay gwapo at ikaw ay maganda! Gusto mo ng tubig? Ako ay malungkot, casi hindi niya ako mahal), língua das Filipinas. Aprendi a amar a língua espanhola com amigos da Costa Rica (pura vida!), a quem eu dizia jocosamente que o espanhol era um português errado. :) Ganhei fluência em uma língua que já conhecia, o inglês, e aprendi bem uma terceira, o italiano, que era a língua franca do lugar.
Bom, infelizmente não vou conseguir falar detalhes do que aconteceu nesses seis meses em Loppiano. Posso dizer que me foi o melhor momento da vida até hoje, que a mudou visivelmente. Vivi uma forte experiência espiritual baseada no amor recíproco. Aprendi a separar as coisas essenciais das acessórias, que têm lá sua utilidade. Aprendi a amar mais concretamente, e essa foi a verdadeira lição da escola. O mais importante é continuar a aprender, porque em seis meses não é possível aprender tudo, e aqui é muito mais difícil manter-se firme nos propósitos descritos. Eis-me aqui, desde junho de 2005, de volta ao meu lugar, fazendo a duras penas meu dever de casa, a minha parte por um mundo melhor, tentando amar sempre mais, encarando meus erros e meus limites com humildade e serenidade.
Tuesday, July 26, 2005
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